Na minha infância bastante humilde, eu era como o Professor Pardal, que fabricava tudo como dava. Nem sempre era uma obra de arte. Porém, tinha um brinquedo que eu nunca consegui fazer, e até hoje me irrita, a Pandorga (conhecida também como Pipa). Quando estava quase conseguindo, algo não saía certo e eu quebrava tudo, desistia. Isso ocorreu centenas de vezes. Talvez, hoje ainda, não conseguiria fazer, pelo menos da maneira que queria ter.
No percorrer dos meus 50 anos, percebi que em muitos momentos fui atacado pela Síndrome da Pandorga; no trabalho, em um casamento, em um jogo qualquer, e percebi também, que isso não era privilégio meu. Várias pessoas vivem isso, quase que diariamente podemos ser tentados a desistir. Às vezes, mudar de ideia, é apenas outro nome da desistência. Mas em nenhum outro setor, convivo tanto com isso, como na atividade física, principalmente, na corrida. Já participei de várias corridas na minha vida, e nunca, nunca mesmo desisti, sempre cheguei, não interessando a maneira.
Será isso a Vingança da Pandorga? Tenho que trabalhar isso com meus alunos todos os dias, não interessa se é
um simples treino na esteira ou uma competição. Todos os meus alunos correm, apenas pelo prazer e pela manutenção de sua saúde. Porém, eu os trato como atletas de elite, pois guardadas todas as proporções, são disciplinados, constantes em seus treinos, correm por um objetivo e lutam por recordes pessoais. Pode ser completar uma corrida de 5 Km sem caminhar, uma rústica em uma cidade do interior ou participar de maratonas internacionais, correndo o mesmo percurso que recordistas mundiais. Eles treinam, se empolgam, retiram o kit no mesmo local e muitas vezes se hospedam no mesmo hotel que atletas de elite e isso os torna atletas sim.
No entanto, como pode um simples treinador de corridas orientar tantos conflitos individuais de seus alunos? Percebi, já há algum tempo, que muito mais que o físico, tenho que treinar a “cabeça” do corredor. Mas são muitos corredores, muitos conflitos e todos muito diferentes, porém todos passam pela “síndrome da pandorga”. A vontade de desistir é um inimigo constante a ser combatido, as armas que possuo são mais complexas e levam mais tempo para serem acionadas: perda de peso, melhora anímica, inclusão social, produção de alguns hormônios viciantes, melhora das funções vitais e outras tantas melhoras que podem não ser o bastante para enfrentar uma “cabeça doente” – se é que se pode chamar assim – ou negativismo, pena de si mesmo, conformismo ou estar fixado na zona de conforto.
O que me parece é que certas pessoas tendem a preferir ficar em um estado letárgico do que mexer em alguma coisa que terá que ter sequência, disciplina, crescimento, mas o que realmente assusta é o fim, o último quilômetro, o último estágio do batimento cardíaco, o último capítulo, e se eu conseguir? O que virá pela frente? Vou ter que passar por isso quantas vezes? E se não conseguir?
Ahhh! Vai ser muito mais fácil se eu não conseguir, tudo acaba. É só quebrar a pandorga.
Por Marialdo Rodrigues